sexta-feira, maio 26, 2006

uma crónica do DIA DAS LETRAS GALEGAS NO BERZO por CONCHA ROUSSIA.

Algo mais sobre as nossas letras (I)
Un artigo de: Concha Rousia
[23/05/2006]

Viagem entre as raias. Parte I:

As adormideiras Entre o envio do meu anterior artigo "Volve o 17 de Maio..." e o próprio dia 17, fiz uma viagem que começou em Santiago de Compostela para ir ao Bierzo primeiro, e prosseguir depois para Trás-os-Montes.
Partimos o dia 11, sexta-feira, ai contra o meio-dia, pola estrada que leva mesmo perto de Guitiriz, para apanharmos a autovia com direcção a Ponferrada, lugar do nosso primeiro destino. Paramos a jantar na formosa Vilafranca, onde nos desenvolvemos com a nossa língua sem qualquer problema. Éramos nos sós a falar galego no restaurante, mas o camareiro respondia como se todos, ele mais nos, estivéssemos a falar no mesmo idioma. À minha filha, que fez seis e anda nos sete, isso não a chocou, está já afeita. Logo de jantar uma carne que todos qualificamos de excepcional, prosseguimos o nosso caminho para chegar a Ponferrada, onde os amigos de Fala Ceibe nos aguardavam para festejar as nossas letras.O acto, presidido pola elegantíssima Sílvia Ribas, coordenadora dos diferentes eventos, começou com a entrega de prémios aos homenageados: Aquilino Poncelas e Alicia Fonteboa. Ambos os dous professores, que dedicam os seus esforços a lutar pola defessa da nossa língua, falaram da importância que tem a escola para poder seguir a manter vivo o galego no Bierzo; e talvez, se se espreitava com atenção, se adivinhava uma queixa polo abandono que levam sofrido por parte da administração galega, só por eles terem sido excluídos pola raia administrativa. Eu tive a sensação de que por primeira vez pensava neles como penso nos Palestinos aos que lhes toca viver nos territórios ocupados. Aquilino Poncelas dizia, em conversa privada, e com toda a razão do mundo: "...vos tendes a lei da vossa parte" e a mim essas palavras fizeram-me sentir em déveda com eles, com todos eles. "...se o galego –seguia a dizer ele- padece na Galiza, e precisa de cuidados para se recuperar, aqui está já a precisar de primeiros auxílios..." Ele viera de Bilbau onde exerce como professor de lengua e literatura só para celebrar as nossas letras. Eu apercebi-me de que se calhar ele tinha mais direito à decepção e ao desencanto do que eu, e ainda assim e tudo continuava, sem trégua, a sua luta. Admirei o seu espírito. Atrás de Alicia e Aquilino falou Felipe Lubián, essa lenda viva da que pouco posso eu dizer que se não saiba. (http://www.vieiros.com/entrevista/lubian.html) Ele é uma instituição para o galego, e leva conseguido mudanças administrativas importantes para a nossa língua na comunidade de Castela e Leão. Falou de como quando ele era pequeno, ele nasceu no ano 52, nunca teve problemas para falar galego na escola, porque dera com verdadeiros mestres; mentres que hoje em dia, os pequenos das aldeias das Portelas têm que esconder a sua língua antes de entras nas escolas, porque professores ignorantes desconhecem os direitos linguisticos destas terras.Atrás destas intervenções vieram as obras de teatro, e as leituras da obra de Manuel Lugris, por parte dos meninhos e meninhas do Bierzo. Foi tenro e divertido. Aos miúdos seguimo-los os que levávamos algum poema para a partilha. Eu levava nas minhas palavras as ondas do nosso mar, desse mar que quando abraça a terra fala a nossa língua e portanto é também o mar do Bierzo, ele não entende de raias administrativas sem sentido. A poesia foi continuada pola música, gaitas primeiro, e o acordeão de Servando depois, encheram a sala de cantares e de risas dos que ouviam por primeira vez a copla do Manuel do Campo quando ele quisera casar com a burra... O ramo desta parte da festa puseram-no os de Abertal, agrupação de pandeireteiras e baile, que levaram a festa para fora do edifício. Música e dança atraíram a gente que, sentindo a chamada das gaitas no seu interior, se foram achegando, outros assomavam das janelas e espreitavam desde a distância esta música que nós todos, hoje, queríamos que Ponferrada, e o Bierzo inteiro, sentissem...Rematada a foliada um grupo de galegos e galegas, alguns do Bierzo outros não, fomos cear ao Navia, e agora sim veio a valorização da experiência por parte dos que não estamos afeitos a vir a Ponferrada. Todos concordamos em ter experimentado a sensação de ser bem entendidos quando falava-mos, mas quase nunca ouvíamos falar na nossa língua mas que quando aparecia uma frase solta no meio do castelhano "...uma firminha..." ou como disse a mulher do café onde estivera o Alexandre, quando lhe caiu a caixa com as saquetinhas do açúcar ao chão: "...alá vai...!" e o homem e a mulher que da esquina do balcão olhavam a cena que interrompia a sua conversa em castelhano dizem, talvez até sem eles próprios escutarem-se: "...que foi o que passou?" "não che sei..." Todos e todas nós experimentáramos o pressentimento de que o galego fica dentro das pessoas todas, mas fica como anestesiado, e eu não posso parar de pensar se todas essas adormideiras que inçam os formosíssimos arredores da cidade terão algo a ver...Pola noite o encerramento tive lugar no pub "La Gatera" com o concerto de Servando e a apresentação do seu disco "Som Voltas" Aqui, neste local, onde, em lugar de máximo destaque, está a nossa bandeira da estrela junto com uma de Nunca Mais, e um mural de Bierzo Livre pintado na parede em azul branco e negro, a festa foi a rachar; a imparável dança fez suar até as pedras todas das paredes do pub. Logo foram-se somando à festa mais e mais moços e moças, e embora o seu galego não era ele lá muito fluido, ha que dizer que houve algum que fez falar gaita, pandeireta, e tarranholas como poucas vezes eu ouvi na minha vida. Finalmente houve que ir em silêncio para o albergue onde os peregrinos desde bem cedo dormem. A caminho do albergue demos a volta para passarmos pola beira do castelo para ver se Nerea conseguia ver o dragão, acho que o sono (eram mais das duas da manhã) lhe permitiu algum auto-engano divertido. Mentres ela andava a procura do dragão eu espreitava as ruas e praças que estavam inçadas de gente nova, e tive a sensação, não sei se acertada, de estar numa cidade desnorteada, numa cidade à que lhe falta a certeza duma identidade; e foi ai que alguém, como se andasse a pensar o mesmo que eu, disse que adivinhava que toda a Galiza se converterá em algo similar a isto se a desfeita da língua não se para. Um calafrio percorreu o meu coiro. Este arrepio somado às palavras do Aquilino falando da necessidade de primeiros auxílios para o galego no Bierzo deixaram em mim a impressão de ter visitado o frente duma guerra, frente no que eu me julgara desde os 14 anos, mas aqui vim a compreender que só na retaguarda é que eu tinha estado. Fomo-nos para o albergue, amanhã havia que erguer-se cedo e continuar a viagem para Trás-os-Montes, na outra raia administrativa. E ainda bem que em chegando lá receberíamos o efeito contrário ao que daqui levávamos, ou isso era o que eu antecipava, mas... mal pensava eu o que me aguardava por descobrir.